sábado, 20 de abril de 2013
Certa vez uma amiga me disse que há certos livros que
merecem ser degustados e não devorados. Ela tinha razão. E essa frase se encaixa
como uma luva para esse livro.
Conhecido por ser provocador e subversivo, ao ponto de ser contrariado até mesmo pelos psicanalistas, o escritor e também psicanalista Roberto Freire em 1966, cometeu a felicidade chamada“Cléo e Daniel”.
Estouro absoluto de vendas, tanto em livrarias quanto em bancas de jornais no
formato jornal-livro que algumas editoras dos anos 60 e 70 exploravam, levou milhares de jovens uma literatura complexa e sofisticada, cheia de
meandros difíceis de serem compreendidos pelo público-alvo, mas plenamente
aceitos por este.
Bom, ganhei
este livro de presente no último natal. Grata surpresa. Surpresa pelo presente e por ser um livro. Não conhecia o autor e muito menos a história. Ambos me
surpreenderam. Pelo título e data esperava um romance adolescente em meio ao
turbulento anos sessenta mas não tem nada a ver com o que pensara. É uma dessas
histórias peculiares que nos marcam e levam dias para nos deixar. È uma
daquelas histórias que no momento que terminamos de ler queremos reler e entrar
naquele mundo novamente. È sobre uma geração sem chances, excluída e alienada.
È sobre uma geração revoltada. Trata
de uma juventude semente amadurecendo para uma transformação. Da alienação
para revolução.
Não. Não é nada disso. É sobre um psicanalista que larga
tudo por estar desiludido com a carreira e a vida. Vive de bar em bar e de prostituta em
prostituta afim de suplantar o vazio que sente. Mas sem sucesso. Monstro lúcido
é como se caracteriza. Monstro lúcido solitário e vazio. Procura afeto. Procura amor.
Desse modo larga a profissão. Justamente por não encontrar o amor. Por não amar ninguém. Não
sente absolutamente nada. Assim como os outros personagens. Os conhece a fundo
devido a sua profissão mas como um telescópio só amplia seu campo de visão
sobre o ser humano. Vê sua profundidade.
Vê sua superfície.Ve além. Mas não sabe o que fazer com isso. Não sabe o que fazer consigo mesmo.
Sua vida espiritual também é citada. Faz parte de sua essencia. Mas sua relação com Deus é estranha, para dizer o mínimo. Ao mesmo tempo que acredita e acha que Ele esta dentro de si quer exclui-lo. Quer livrar se da ideia de Deus. Se Deus é amor mas não ve esse amor, então ele não existe certo?
Sua vida espiritual também é citada. Faz parte de sua essencia. Mas sua relação com Deus é estranha, para dizer o mínimo. Ao mesmo tempo que acredita e acha que Ele esta dentro de si quer exclui-lo. Quer livrar se da ideia de Deus. Se Deus é amor mas não ve esse amor, então ele não existe certo?
E Cléo e Daniel? O que dizer? Dois adolescentes perdidos.
Desajustados. Marginais. Não no sentido de estarem contra a lei mas no sentido
da marginalidade mesmo. Estarem marginais a sociedade. Sem foco. Sem salvação.
Só aparecem na página cem e até o final da vida e do livro procuram a paz. Procuram a beleza da
vida. Procuram a verdade. Procuram uma vida longe de instituições que o
aprisionam, o castram. Como igreja, família e escola. Querem a liberdade,
querem plenitude. Querem amor. Querem paz. Querem a morte.
Cléo e Daniel é um livro complexo para tecer comentários e de se resumir. Mas basicamente são histórias que se cruzam e se complementam. E se modificam. O psicanalista por exemplo baseia sua vida no nilismo e racionalismo até encontrar Cléo e Daniel. O momento que vê os dois deitados juntos mas apenas dormindo de mãos dadas é emblematica. A beleza do amor puro diante de si o perturba. Mexe com sua razão.
Perde sua base. Perde sua identidade. Afinal quem é ele? Quem é Cléo e Daniel?
Perde sua base. Perde sua identidade. Afinal quem é ele? Quem é Cléo e Daniel?
Trecho de destaque: "Quem, como pessoa, pode suportar, face
às suas limitações, frustrações e angústias, a imagem da liberdade total, do
prazer e da alegria revelados de forma pura e natural? Quem, como pessoa, que
racionaliza o impossível, que mistifica o misterioso e sublima a impotência,
pode tolerar a visão física do eterno, o segredo humano revelado, a energia
vital possuída e possuindo?
Não sei via nada, além da estátua de um beijo. Estátua de
carne, mas estátua. Nenhum movimento. Apenas o tempo do beijo era maior, como o
das estátuas. Só isso se via sobre o banco da praça. cada um que olhava,
entretanto, sentia o que não estava olhando. E entrava merda em lugar de
sangue, em seu coração. Sentia, cada um, ao ver aquilo, o que não houve nunca
em si mesmo. E a estátua de carne torna-se uma ofensa. Ofensa insuportável que
exige revide. Necessidade de revide que inveja, é o ódio. E quando chega-se ao
ódio, descobre-se o amor. O amor inatingível, o alheio amor. Então, olhando o
beijo de Cleo e Daniel, sentindo o que vê - o desconhecido sentimento, o
inatingível prazer - cada um é um mendigo em desespero Cada um é o ódio
exigindo destruição.
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